Juiz não pode negar direito de chamar testemunha
O juiz que dirige um processo criminal não tem o direito de impedir que o réu chame uma testemunha de defesa se estiver dentro do limite de oito pessoas. Isso porque, segundo o ministro Celso de Mello , do Supremo Tribunal Federal, o juiz não pode negar o pedido sob o argumento de que a testemunha não conhece os fatos ou de que a oitiva seria um expediente protelatório. O ministro lembra que a jurisprudência dos tribunais superiores já acentua esse caráter.
O argumento de Celso de Mello foi apresentado em pedido de Habeas Corpus no qual o ex-juiz da 4ª Vara Criminal Federal de São Paulo, João Carlos da Rocha Mattos, pedia o testemunho de defesa de Derney Luiz Gasparino. Celso de Mello foi voto vencido na decisão tomada pela 2ª Turma no começo do mês passado.
Investigado na Operação Anaconda, de 2004, o ex-juiz está cumprindo pena na Penitenciária de Araraquara (SP) pelos crimes de abuso de poder e extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento. No HC, Rocha Mattos pedia também a nulidade do processo desde a defesa prévia.
“Por representar uma das projeções concretizadoras do direito à prova, configurando, por isso mesmo, expressão de uma inderrogável prerrogativa jurídica, não pode ser negado, ao réu �"que também não está obrigado a justificar ou a declinar, previamente, as razões da necessidade do depoimento testemunhal, o direito de ver inquiridas as testemunhas que arrolou em tempo oportuno e dentro do limite numérico legalmente admissível, sob pena de inqualificável desrespeito ao postulado constitucional do due process of law ”, afirmou Celso de Mello.
O pedido liminar de Rocha Mattos já havia sido negado pelo ministro Eros Grau, relator, em maio do ano passado. A defesa alegava ofensa aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.
Celso de Mello sustentou que “oferecido tempestivamente o rol de testemunhas até o número permitido, não tem o juízo o direito de indeferir a oitiva delas, sob pretexto de procrastinação ou que a pessoa (testemunha) nada sabe sobre os fatos”.
“Tenho para mim que se transgrediu, no caso, em detrimento do ora paciente, o direito à prova, que representa prerrogativa essencial que assiste a qualquer réu, independentemente da natureza do delito que lhe tenha sido imputado”, afirmou o ministro.
Leia o voto
HABEAS CORPUS 94.542-2 SÃO PAULO
V O T O
( vencido )
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Peço vênia para deferir o pedido de “ habeas corpus ”, pois entendo vulnerada , na espécie, a cláusula constitucional pertinente ao due process of law.
Tenho para mim que se transgrediu , no caso, em detrimento do ora paciente, o direito à prova , que representa prerrogativa essencial que assiste a qualquer réu, independentemente da natureza do delito que lhe tenha sido imputado.
Tenho acentuado , Senhora Presidente, em diversas decisões proferidas nesta Suprema Corte, a essencialidade desse direito básico �" o direito à prova -, cuja inobservância , pelo Poder Público, qualifica-se como causa de invalidação do procedimento estatal instaurado contra qualquer pessoa, seja em sede criminal, seja em sede meramente disciplinar, seja , ainda, em sede materialmente administrativa:
“ - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade do princípio que consagra o ‘due process of law’, nele reconhecendo uma insuprimível garantia ,que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público , de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos. Precedentes . Doutrina .
- Assiste , ao interessado, mesmo em procedimentos de índole administrativa, como direta emanação da própria garantia constitucional do ‘due process of law’ ( CF , art. 5º, LIV) - independentemente , portanto, de haver previsão normativa nos estatutos que regem a atuação dos órgãos do Estado -, a prerrogativa indisponível do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes ( CF , art. 5º, LV), inclusive o direito à prova .
- Abrangência da cláusula constitucional do ‘due process of law’. ”
( MS 26.358-MC/DF , Rel. Min. CELSO DE MELLO)
A importância do direito à prova , especialmente em sede processual penal, é ressaltada pela doutrina (ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO SCARANCE FERNANDES e ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, “ As nulidades no processo penal ”, p. 143/153, itens ns. 1 a 6, 10ª ed., 2007, RT, v . g .), como se vê do claro magistério expendido pelo saudoso JULIO FABBRINI MIRABETE (“ Código de Processo Penal Interpretado ”, p. 492, item n. 209.2, 7ª ed., 2000, Atlas):
“ Oferecido tempestivamente o rol de testemunhas pela parte, até o número permitido, não tem o juiz o direito de indeferir a oitiva de qualquer uma delas , independentemente de justificação por parte do arrolante, sob o pretexto de que se visa a procrastinação ou de que a pessoa arrolada nada sabe sobre os fatos, nem mesmo quando deve ser ouvida em carta precatória. (...) Também não pode o juiz dispensar a oitiva de testemunha tempestivamente arrolada sem a desistência da parte interessada; ocorre , na hipótese , nulidade por cerceamento da acusação ou defesa. Trata-se , aliás, de nulidade que não precisa ser argüida. ” ( grifei )
Essa orientação reflete-se , por igual, na jurisprudência dos Tribunais em geral, valendo referir , ante a sua relevância, julgados que reconhecem qualificar-se, como causa geradora de nulidade processual absoluta, por ofensa ao postulado constitucional do “ due process of law ”, a decisão judicial que, mediante “ exclusão indevida de testemunhas ”, compromete e impõe gravame ao direito de defesa do réu, sob a alegação de que as testemunhas, embora tempestivamente arroladas, com estrita observância do limite máximo permitido em lei, nada saberiam sobre os fatos objeto da persecução penal ou , então, que a tomada de depoimento testemunhal constituiria manobra meramente protelatória do acusado ( RJDTACRIM/SP 11/68-69 �"RJTJESP/LEX 117/485 - RT 542/374 - RT 676/300 �" RT 723/620 �"RT 787/613-614, v.g. ).
Em suma : por representar uma das projeções concretizadoras do direito à prova , configurando , por isso mesmo, expressão de uma inderrogável prerrogativa jurídica, não pode ser negado ,ao réu - que também não está obrigado a justificar ou a declinar, previamente , as razões da necessidade do depoimento testemunhal -, o direito de ver inquiridas as testemunhas que arrolou em tempo oportuno e dentro do limite numérico legalmente admissível, sob pena de inqualificável desrespeito ao postulado constitucional do “ due process of law ”:
“ Prova �" Testemunha � "Oitiva indeferida por não ter o juiz se convencido das razões do arrolamento �" Inadmissibilidade - Direito assegurado independentemente de justificação .
- Não pode o juiz indeferir a oitiva de testemunha, sob pena de transgredir o direito límpido que assiste às partes de arrolar qualquer pessoa que não se insira nas proibidas, independentemente de justificação. ” ( RT 639/289 , Rel. Des. ARY BELFORT �"grifei )
“ Cerceamento de Defesa �"Inquirição de testemunhas por rogatória indeferida a pretexto de ter intuito procrastinatório �"Inadmissibilidade - Preliminar acolhida - Processo anulado - Inteligência do art. 222 , e seus §§ , do CPP .
- Não é permitido ao juiz, sem ofensa ao preceito constitucional que assegura aos réus ampla defesa, inadmitir inquirição de testemunhas por rogatória , a pretexto de que objetiva o acusado procrastinar o andamento do processo. ” ( RT 555/342-343 , Rel. Des. CUNHA CAMARGO �" grifei )
São estas , Senhora Presidente, as razões que me levam , com toda a vênia da ilustrada maioria, a conceder , ao ora paciente,a ordem de “ habeas corpus impetrada.
É o meu voto .
Ministro Celso de Mello
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