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4 de Maio de 2024
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    Há 40 anos, AI-5 inaugurava o Estado terrorista brasileiro

    há 15 anos

    Pouco mais de quatro anos após o golpe militar de 1964, o governo baixou, em 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional número 5 e levou o Brasil ao seu período mais distante dos ideais democráticos. Foi o início dos chamados anos de chumbo, quando o país passou pelo tempo mais repressivo da sua história. Entretanto, com a edição da Lei da Anistia em 1979, muitos dos crimes cometidos na época deixaram de ser julgados.

    Hoje, quatro décadas depois, o Estado brasileiro vive sua mais longa estabilidade institucional, mas a discussão sobre os atos de violência presentes na ditadura ainda está distante de um consenso.

    Respondendo a uma declaração da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, de que a tortura é crime imprescritível, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Gilmar Mendes, afirmou que “essa discussão sobre imprescritibilidade tem dupla face. O texto constitucional também diz que o crime de terrorismo é imprescritível”.

    Com a afirmação, o ministro insinuou que haveria uma equivalência entre a luta armada daqueles que resistiam ao sistema de exceção e as práticas violentas dos órgãos de repressão política. A idéia, porém, se contrapõe ao direito nato do cidadão em resistir à violação de suas garantias fundamentais.

    Sobre o ponto de vista estritamente jurídico, levando em conta as normas que vigiam na época, crimes cometidos pelo Estado ditador e por aqueles que lutavam contra o regime autoritário devem ser tratados sem diferença.

    Entretanto, sob o viés ético e político, deve haver uma distinção profunda. Esta é a opinião do constitucionalista e professor da Faculdade de Direito da PUC-SP Pedro Estevam Serrano. Para ele, quando governantes resolvem expor a sociedade a uma ditadura, eles acabam legitimando reações violentas dos cidadãos contra agressão que foi cometida em primeiro lugar pelo próprio Estado.

    Estado terrorista

    O professor considera que foi isso que aconteceu no Brasil. Para ele, a edição do AI-5 caracterizou o início claro de um Estado terrorista.

    “A partir de 1964 tivemos uma ditadura, mas, flagrantemente, com o AI-5 passamos a ter uma ditadura terrorista no Brasil. O Estado era terrorista, pois usava do terror (censurando e utilizando da violência para fazer calar as vozes da oposição e da crítica) para se impor. Chamar de terrorista as pessoas que usaram de violência contra a ditadura militar, sob o ponto de vista político, é um equívoco. Pois quem iniciou o processo de violência foram os golpistas de 1964 que romperam com o processo democrático no país e que agravaram brutalmente a situação em 1968, com a edição do AI-5 ”, avalia Serrano.

    Na opinião do constitucionalista, o que legitima o poder político, de criar regras e impô-las com o uso legítimo da violência, é o fato de o Estado representar a vontade dos integrantes da sociedade. Quando alguns integrantes da sociedade exercitam esse poder político com base na sua própria vontade, de forma ditatorial, eles acabam legitimando os demais cidadãos a utilizar da mesma violência.

    “Mesmo que, sob o ponto de vista jurídico, esta reação não se justifique, uma vez que não é prevista por um sistema que foi imposto; por outro lado, ética e politicamente, a violência de um Estado ditatorial, seja de esquerda ou de direita, deixa de ser legítima”, afirma Serrano.

    O professor diz que não se pode afirmar que os guerrilheiros de então, chamados de terroristas, visavam também impor um sistema ditatorial, pois isso nunca será confirmado, uma vez que este grupo nunca chegou a exercer o poder.

    Mas é certo que havia uma ditadura militar, num regime que utilizava da força e da violência para impor a vontade do soberano, ou seja, impor a vontade de uma parcela menor da sociedade sobre a maioria. Isto numa época em que não havia o respeito a regras e normas democráticas de composição do poder político.

    “Quando o Estado brasileiro do regime militar seqüestrou, torturou e matou opositores ao governo �"nem sempre guerrilheiros ou terroristas, que nada mais faziam do que manifestar idéias pacificamente�", ele agiu de forma criminosa, sob o ponto de vista jurídico, pois, perante as leis internacionais, acabou cometendo crimes de lesa humanidade”, considera o constitucionalista.

    Legítima defesa

    Serrano avalia que, na verdade, o que muitos cidadãos fizeram foi resistir, em legítima defesa, a esses crimes cometidos pela ditadura, a esse terrorismo do Estado.

    “Diante das normas de direito internacional que governam a convivência civilizada entre os seres humanos, terrorista foi o Estado brasileiro naquele período. O direito, em última análise, é um fenômeno de forças, é a capacidade que uma ordem jurídica tem de se impor na sociedade, seja de forma democrática, seja de forma autoritária. O direito autoritário também é direito, mas nem sempre é legítimo do ponto de vista de um conjunto de valores políticos adequados à convivência humana”, diz o professor.

    Ele lembra que a lei diz que agir em legítima defesa é atuar em defesa de algum direito. Seja do direito à vida, à integridade física ou até mesmo à propriedade. Os opositores ao governo militar que agiram de forma violenta contra o Estado naquela ocasião, o fizeram em defesa de um direito humano fundamental, que é o de participar politicamente, de forma livre e desimpedida.

    Ao menos sob o ponto de vista político, a reação de um povo contra um Estado autoritário é semelhante à de um cidadão que se defende ao ser atacado fisicamente, agindo com violência mas legitimado pela ordem jurídica.

    No pensamento do constitucionalista, sob a ótica de quem defende a democracia como um valor universal (como o melhor modo que a sociedade humana encontrou para se relacionar), quem age politicamente, mesmo que com violência, contra um Estado ditatorial não é um terrorista no sentido político da expressão. Para ele, são pessoas do povo exercendo seu legítimo direito a reivindicar um Estado democrático, mesmo que com o emprego da violência quando não existe outra alternativa.

    Sob essa lógica, uma das características do regime ditatorial é que nele não existe alternativa pacífica para os seus opositores agirem no campo da política. Na democracia, os grupos sociais defensores de ideologias diversas podem agir pacificamente para chegar ao poder.

    “Terrorista é aquele que age com violência contra um Estado democrático que adota regras de convivência política democráticas. Já alguém que usasse de violência hoje agiria como um terrorista e teria que ser reprimido pelo Estado Democrático”, distingue Serrano.

    O professor ressalta que ascender ao poder é um direito inerente a qualquer ser humano, a qualquer cidadão. Chegar ao poder é uma ambição legítima que não pode ser barrada por mecanismos violentos. “É uma regra do procedimento democrático: o sistema deve ter uma forma de possibilitar, de forma pacífica, o exercício desta aspiração”, diz ele.

    Mas se o poder é exercido de forma ditatorial e autoritária, a regra é quebrada e há um rompimento com o regime democrático. Para Serrano, este rompimento permite que qualquer um do povo haja de forma violenta contra uma violência prévia.

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