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25 de Abril de 2024
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    Brasileiros precisam debater corrupção em sala de aula, dizem especialistas

    há 16 anos

    Diferentes estudos e experiências mostram que a corrupção é um fenômeno complexorecorrente em todos os países e produz efeitos políticos, sociais e econômicos que prejudicam o desenvolvimento das nações. Masde acordo comespecialistas em educação, o debate sobre a corrupção é fundamental e necessário logo no ambiente escolar. Para eles, mais do que saber o que é corrupção, é importante que os alunos aprendam a examinar, a criticar e a julgar mediante provas as várias faces da corrupção. “Feito isso repetidamente, como um hábito, estaremos formando cidadãos honestos”, afirma Cândido Gomes, doutor em educação pelaUniversidade daCalifórnia e professorda Universidade Católica de Brasília.

    De acordo com o professor Gomes, a lei determina que as escolas desenvolvam valores, atitudes e comportamentos de cidadania. “Quando se levanta dinheiro para fazer uma festa ou excursão e o aluno participa desse processo, ele pode aprender a respeitar o bem comum. Quando são eleitos representantes de turmas e, sobretudo, se estabelece a interação entre representantes e representados, os alunos aprendem o que são cidadania e democracia”, exemplifica Gomes. Para ele, essas situações, vividas desde a infância, têm maior valor do que conteúdos programáticos.

    Nesse sentido, relata o professor, “vejo como essencial conhecer a organização e o funcionamento do País hoje. Os alunos não podem sair da escola sem isso, porém, já existem os lugares próprios nos currículos. Em vez de ensinar a História do Brasil do passado para o presente, seria interessante partir do presente e verificar como o País foi se formando. Em vezde decorar termos, é melhor fazer um júri simulado sobre a corrupção e suas raízes históricas. Em vez de conteúdos a serem reproduzidos nas provas, é mais educativo simular uma situação em que os alunos exercem cargos públicos e são responsáveis pelo orçamento, sua execução, controle e fiscalização”, conclui Cândido Gomes.

    Segundo estimativas do Banco Mundial, a cada ano cerca de US$ 1 trilhão - em propinas e subornos - alimentam a corrupção mundial. Por outro lado, de acordo com dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), países que combatem a corrupção e fortalecem a aplicação da lei podem aumentar sua renda nacional em até 400%. Da mesma forma, a corrupção reduz a habilidade dos governos de prover as necessidades e serviços básicos para os cidadãos, fazendo com que investimentos em países corruptos possam ser até 20% mais onerosos do que em outros locais.

    Por isso, a educação seria um dos remédios mais eficientes contra a corrupção, considerando que “cortaria o mal pela raiz”. “A corrupção no Brasil é um traço cultural e, portanto, é preciso mudar os valores e princípios éticos do brasileiro. Todos nós temos um nível de corrupção”, afirma Paulo Corbucci, doutor em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) e, atualmente, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Para Corbucci, não há dúvida de que a ética deve ser conteúdo transversal nas disciplinas dos ensinos fundamental e médio.

    Para ele, haveria uma incorporação maior se a ética fosse diluída em disciplinas diferentes, desde o ensino fundamental (1ª série). “Acredito que é mais válido e eficaz se a discussão estivesse aberta dentro das disciplinas das ciências humanas, pois uma matéria especifica criaria uma aversão por parte dos alunos, que geralmente encaram as disciplinas obrigatórias sem entender a razão de ser delas”, avaliaCorbucci.

    No entanto, segundo o especialista, atualmente o educadornão tem instrumentos e não está preparado para oferecer um debate sobre a corrupção e a ética sem incorrer na discussão baseada no senso comum. “É preciso uma reforma também nas grades dos cursos superiores. A formação dos novos profissionais da educação deve comportar discussões mais objetivas e contextualizadas sobre a corrupção. O educador deve desenvolver a capacidade de demonstrar as implicações práticas da corrupção na vida de seus alunos, para que eles possam agir e combatê-las”, afirma Corbucci.

    Cláudio de Moura Castro, economista e também especialista em educação, concorda com Corbucci no quesito da capacitação. Segundo ele, a área da corrupção ainda é mal estudada, onde os peritos não estão de acordo. “Nem chega a ser um claro tema de estudos e está longe de estar madura para virar uma disciplina no ensino público”, afirma Castro.

    Atualmente, não há obrigatoriedade do debate sobre a corrupção dentro das escolas. Dentro do conteúdo programático determinado pelo Ministério da Educação, parte da grade é aberta para que a própria instituição estabeleça o conteúdoa ser abordado em sala de aula.

    Disciplina extensiva

    Há três anos, a UnB decidiu implantar a disciplina Teoria e Análise da Corrupção, que compunha à época a grade curricular do curso de Ciências Políticas. A disciplina, criada peloprofessor Ricardo Caldas, tornou-se um módulo livre de graduação do Centro de Estudos Avançados e Multidisciplinares (CEAM) da universidade. Hoje, pioneiro no ensino superior,o curso recebe semestralmente cerca de 40 estudantes das mais diversas áreas e é considerado como um módulo livre de extensão, com duração de quase quatro meses.

    De acordo com Caldas, a análise da corrupção no âmbito acadêmico tem a finalidade de despertar a atenção da sociedade, por meio de estudos e pesquisas, e apresentar formas de combate à corrupção. Além disso, o curso é aberto a todos os estudantes de qualquer área de graduação e aborda os temas mais recorrentes no estudo teórico da corrupção, como causas, conseqüências e custos gerados.

    O professor ressalta que o debate não é uma questão de formação acadêmica (currículo), mas é importante para a formação ética do indivíduo cidadão. “Como um todo, eu acredito que as noções de ciência política deveriam ser enquadradas na educação de todo o cidadão. Assim como outras noções fundamentais para a formação cidadã, o debate sobre a corrupção é fundamental”, afirma o professor. Caldas acredita ainda que do mesmo modo que se introduziu a disciplina de filosofia nas escolas, é importante dar continuidade em um debate específico sobre a corrupção dentro de quantas disciplinas forem possíveis.

    Segundo o cientista político, os atuais instrumentos de fiscalização não têm trabalhado a contento e para que as pessoas possam agir, precisam ter acesso à informação. “É preciso menos burocracia e mais transparência, o que garante maior participação da sociedade”, sugere Ricardo Caldas. O professor ainda diz ter o interesse de expandir a disciplina para um curso mais abrangente, mas afirma que até agora isso não foi possível.

    As turmas coordenadas pelo professor Ricardo Caldas têm a responsabilidade de analisar a relação entre instituições, cultura política e corrupção, observar a corrupção como ameaça à manutenção do regime democrático, além de analisar o papel da corrupção no contexto do crescimento econômico do país. O objetivo desta disciplina é oferecer ao aluno conhecimentos básicos acerca de diferentes perspectivas teóricas sobre corrupção, demonstrar comoocorre, em que circunstâncias e de que formao problemaafeta a economia e o sistema político, uma vez que a corrupção tem um profundo impacto sobre a sociedade brasileira, desde os tempos de colônia até a formação da República.

    Experiência Internacional

    Um estudo elaborado anualmente pela Transparência Internacional, que mede o índice de percepção da população diante da corrupção, demonstra que o Brasil, nos últimos 10 anos, não tem sustentado uma boa posição no ranking dos países mais transparentes. Em 1999, o Brasil ocupava a 46ª posição. Desde então, o País tem ficado cada vez mais longe do pódio. Em 2007, ocupava a 72ª posição no ranking, ao lado de países como China, Índia, Marrocos e Peru.

    Ao contrário do Brasil, países como Chile e Portugal sempre permaneceram, nesse mesmo período, na casa dos 20. No ano passado, por exemplo, Portugal ocupava a 28ª e o Chile a 22ª posição entre os países menos corruptos. Mas a citação desses dois países não é aleatória. Mesmo posicionados sob vantagem em relação a muitos países, ambos têm se dedicado em aplicar fundamentalmente o debate sobre o tema na educação nacional.

    O Centro de Direitos Humanos da Universidade do Chile, por exemplo, oferece o curso de pós-graduação em Transparência, Responsabilização e Luta Contra a Corrupção. De acordo com informações do site da instituição, o principal objetivo do curso é formar profissionais capazes de agirem estrategicamente para o desenvolvimento de sociedades mais transparentes, democráticas e livres de corrupção. O programa de curso ainda visa contribuir para o fortalecimento de organizações que atuem no combate à corrupção, além de fornecer os instrumentos a profissionais, acadêmicos, ativistas e funcionários públicos.

    Em Portugal, o Departamento de Economia da Universidade do Porto oferece o título de pós-graduação em Gestão de Fraude aos graduados que têm interesse em se especializar no combate ao dolo em empresas privadas e no setor público. A ex-aluna, Sandra Peneda, afirma que a denominação do curso, a princípio, parece não ser muito sugestiva, além de muito estranha. “Mas quando li uma entrevista de um dos coordenadores do curso pareceu-me uma oportunidade para que, finalmente, em Portugal se começasse a discutir temas até então colocados na prateleira dos tabus”, afirma a pós-graduada.

    Em depoimento publicado no site da universidade, Peneda diz ter compreendido que cursos como este “podem, sem dúvida, ser o meio que alguns procuravam para se conseguirem munir de instrumentos eficazes de combate à fraude". “É uma excelsa oportunidadepara conseguir obter uma especialização numa área que pode trazer, no futuro, ganhos avultados à economia nacional”, diz.

    Além disso, o Instituto de Combate à Fraude e Defesa da Concorrência (ICDE) também ofecere um projeto nas escolas sobre o tema,em nível internacional,com três questões fundamentais - a pirataria, a corrupção ecidadania evalores. A idéia,chamada de Escolalegal,é levar às escolas de forma estruturada, por exemplo,fatos sobre o risco de consumo de produtos piratas. O projeto tem como fundamentos essenciais a adaptação de forma ao conteúdo para alunos de sete a 14 anos, professores, diretores, coordenadores, pais e comunidade. Um dos objetivos do Escolalegal é resgatar os valores morais e exercício da ética nas escolas. Clique aqui para conhecer mais sobre o projeto.

    Cursos no Brasil

    No Brasil, poucas instituições ministram estudos especializados em fiscalização, controle e combate à corrupção. Dentre os cursos oferecidos por órgãos públicos nacionais, está os de Prevenção e Combate à Corrupção e a Lavagem de Dinheiro e o de Improbidade Administrativa e Combate à Corrupção,apresentados pela Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU). Ambos são dirigidos exclusivamentea servidores do órgão. Dentre os conceitos abordados no curso, estão o de fraude à licitação e lavagem de dinheiro. Também são abordados procedimentos, meios de defesa e combate à corrupção na administração pública.

    O Ministério da Justiça também oferece cursos de Capacitação e Treinamento para o Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, também exclusivos para agentes públicos. Os módulos e temas dos cursos abordam, dentre outros, o enriquecimento ilícito e o monitoramento de informações financeiras.

    Já a Controladoria-Geral da União (CGU), em parceria com a Escola de Administração Fazendária do Ministério da Fazenda (Esaf), promove o curso Controle Social e Cidadania, aberto a todos os interessados. O objetivo é mobilizar agentes públicos, lideranças locais, professores, alunos e cidadãos em geral para que atuem no controle social das ações do governo e promovam a melhor aplicação dos recursos públicos. O curso é realizado em um mês e é desenvolvido na modalidade à distância, via Internet.

    A Escola de Formação de Governantes (EFG) do estado do Ceará éoutro exemplo queabre espaço para a discussão sobre um dos principais problemas do Brasil. Segundo informações extraídas do site da instituição, conscientes de que"com a corrupção, todos pagam e de haver a necessidade de uma luta conjunta para combatê-la, a EFG, em parceria com a Fundação Konrad Adenauer (FKA), promove o curso Instrumentos de Gestão e Informação para a Transparência e Prevenção contra a Corrupção". O público-alvo da escola são os comunicadores sociais, parlamentares, ouvidores de instituições públicas e privadas, líderes de organizações não governamentais e de movimentos sociais.

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